Atlantique, filme sobre o qual vamos conversar hoje, é histórico: ele marca a primeira vez que uma diretora negra – Mati Diop – foi selecionada para a mostra competitiva do Festival de Cannes. Apesar de ser o primeiro longa-metragem de Mati, Atlantique tem dez anos de produção desde o lançamento do curta de mesmo nome em 2009 e a consagração de outras produções feitas pela diretora.
Só um aviso: se você não gosta de filmes de fantasmas ou espíritos, talvez esse filme te incomode um pouco. Mas Atlantique não é um filme que tenta te assustar, assistir com uma luz acesa deve resolver o problema.
Por que assistir Atlantique?
Atlantique une duas narrativas importantes: primeiramente, o filme é sobre a história de amor impossível entre Ada e Souleiman, dois jovens senegaleses. Como Ada está prometida em casamento a outro homem, Souleiman, com o coração partido e desacreditado com a situação econômica de seu país, decide deixar Dakar para procurar uma vida melhor na Europa. Assim, em segundo plano, o filme fala sobre os problemas da migração de africanos e retrata o trauma das mulheres que ficam e lidam com a dor da perda.
Em seu cenário, o longa também equilibra duas perspectivas distintas: de um lado, a contemplação do pôr do sol, lua, e o Atlântico; e de outro, as construções inacabadas de Dakar e suas imposições e restrições nos personagens. Assim, o filme – mesmo antes da introdução de seu elemento fantástico – tem uma vibe misteriosa, supernatural e fantasmagórica.
Outra qualidade de Atlantique é a despreocupação com regras de gênero para a utilização do que se chama de história de fantasma para benefício da própria narrativa e tema. Assim como Poderes Extraordinários, há um distanciamento do realismo – que é esperado em filmes onde raça é assunto central – para privilegiar uma fantasia que serve à história e visão da diretora.
Nem sempre a costura entre cenários e gêneros é perfeita, Atlantique é um pouco lento e porque Mati utiliza cenas longas ele fica levemente tedioso. Então, se sentir aquela vontade de abrir o Instagram para conferir se o crush postou um stories novo (a pessoa não postou, relaxa aí) ou descobrir porque um ex-BBB tá no trending topics, não precisa se sentir culpado não. Prometo que, no fim, o amor dos protagonistas e o retrato da dor são suficientes para te reconquistar.
Terceiro ato
Atlantique está disponível na Netflix. E o curta que inicia a história está no Mubi.
Mati Diop tem outra conexão com a história do cinema senegalês. Seu tio, Djibril Diop Mambéty, é diretor do clássico Touki Bouki (Ou A Viagem da Hiena, em português) de 1973. Nessa entrevista ela conta como após o lançamento do filme, seu pai migrou para França e a relação da sua própria história com as que inspiram Atlantique. Mati fez um curta em 2013 sobre o legado de Touki Bouki chamado Mille Soleils.
Pós-crédito
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Atlantique (2019)
Direção: Mati Diop
Roteiro: Mati Diop e Olivier Demangel
Elenco principal: Mame Bineta Sane, Ibrahima Traore, Amadou Mbow
Fotografia: Claire Mathon