Eu quero começar esse texto propondo um exercício de imaginação – vou assumir – completamente inútil: se você pegar os assuntos do seu feed do Twitter e transformar num roteiro cinematográfico, qual seria o resultado? Bom, no meu caso, o resultado seria algo como Dope: um deslize perigoso: discussões cansativas sobre rap, participações ocasionais de Lakeith Stanfield e, mais importante, pessoas obcecadas pela beleza da Zoë Kravitz. Isso faz do filme ser bom? Não necessariamente, mas tem grande potencial de entretenimento.
Por que assistir Dope: um deslize perigoso?
Escrito e dirigido por Rick Famuyiwa, Dope tem dois pilares: a nostalgia pela década de 1990 e a subversão de estereótipos. Esses dois elementos não só são abraçados pela premissa de sua comédia, como constantemente referenciados e comentados pelo próprio filme.
A nostalgia pelos anos 1990 se mostra mais evidente na caracterização do protagonista, Malcolm (Shameik Moore), adolescente no último ano do ensino médio que mora em Inglewood, Los Angeles. Malcolm não só argumenta que a década de 1990 é a era de ouro do rap, como acredita que sua tese para inscrição em Harvard deve ser sobre Ice Cube.
O melhor efeito dessa nostalgia é a criação de um cenário solar, alegre e otimista. Então mesmo que a história siga em direções mais complexas e um pouco sombrias – afinal, a premissa de Dope depende de Malcolm e seus dois amigos passarem grande parte do filme com quilos de cocaína enquanto são procurados por traficantes –, o filme nunca corresponde visualmente a negatividade que esses momentos possam transpassar.
E essa é uma escolha constante feita por Rick Famuyiwa, se contrapor a qualquer expectativa sobre a realidade ou personalidade dos personagens. Sim, Malcolm é um adolescente de um subúrbio de Los Angeles que nunca conheceu seu pai, mas ele é um nerd dedicado à escola, que toca em uma banda de punk e se veste como o Fresh Prince. O problema é que ao tentar responder aos preconceitos de seu espectador, Dope se aprofunda muito pouco e falha, principalmente, com as mulheres do filme, que existem apenas para os desejos e necessidades de Malcolm.
Mesmo assim, o resultado é encantador e divertido. Se você precisa de um respiro, Dope é uma comédia despretensiosa que quer o melhor para seus personagens e espectadores.
Terceiro ato
Dope está disponível no Globo Play.
Além da participação de rappers – A$AP Rocky, Tyga e Vince Staples – e uma trilha com Busta Rhymes e Nas, vale a pena comentar que as quatro canções originais da banda de Malcolm foram compostas por Pharrell Williams.
Pós-créditos
Se você tiver um tempinho, no meu Substack, em Créditos Iniciais, você encontra dicas de iniciativas, listas de filmes, catálogos e bibliografia sobre cinema preto. Esse é um post que vai ser atualizado sempre, e tem um formulário lá para quem quiser adicionar algo.
E também estou no Twitter e no Letterboxd. Mas mais importante, compartilhe o Cinema Preto com os amigos, conhecidos ou bots que possam se inscrever em newsletters e gostem de cinema.
Elenco principal: Shameik Moore, Tony Revolori, Kiersey Clemons, Zoë Kravitz
Direção e roteiro: Rick Famuyiwa
Fotografia: Rachel Morrison