Eu sei que tá tudo muito assustador agora (na vida real), mas segura minha mão (figurativamente, é óbvio) que hoje vamos conversar sobre terror como ferramenta para tratar traumas. O filme do Cinema Preto desta sexta-feira é O que ficou para trás, primeiro longa-metragem do diretor britânico Remi Weekes.
Por que assistir O que ficou para trás?
Bol (Sope Dirisu) e Rial (Wunmi Mosaku), protagonistas do filme, são refugiados do Sudão do Sul que receberam asilo na Inglaterra. O casal é acomodado numa casa em péssimas condições, mas maior do que o comum. A tarefa a partir de agora é se “encaixar” nessa nova vida e nesse novo país, ou melhor, como explica um assistente social, “facilitar para as pessoas” e “ser um dos bons”.
Assim, O que ficou para trás é um filme de casa mal-assombrada com uma premissa simples: pessoas ocupam um espaço, e esse espaço se rebela contra essa presença de alguma forma. No entanto, o filme não é um terror que segura informação, mantém um mistério ou tenta enganar o espectador. Honestamente, eu fiquei bem surpresa que já na marca dos 30 minutos Rial explica exatamente o que está aterrorizando os dois. É claro que os detalhes são poupados num primeiro momento, mas tudo está bem nítido desde o começo.
A metáfora aqui também é evidente: dois imigrantes negros ocupam um espaço que tenta expulsá-los. Constantemente, Bol insiste que aquela é a casa deles, que eles pertencem àquele lugar e que podem construir uma nova vida naquele novo país. O mais enigmático de O que ficou para trás é a exploração psicológica da situação em que os protagonistas se encontram.
Remi privilegia a perspectiva de Bol e Rial, principalmente pelo movimento de câmeras e, às vezes, nos transporta para memórias e pesadelos pessoais e íntimos. O terror funciona porque a história é contada através deles, por eles, mas, também, para eles.
Se a tarefa é se encaixar, o filme questiona se é possível quando os traumas são maiores e mais aterrorizantes que a realidade. Se o jeito é ser um dos bons, O que ficou para trás lembra que não se é e nem se pode ser “bom” quando os monstros ainda precisam ser enfrentados. Afinal, tem coisas que não podem ser esquecidas.
Terceiro ato
O que ficou para trás está disponível na Netflix.
O primeiro curta de Remi Weekes, Tickle Monster, está no Vimeo. O filme tem só quatro minutos, mas não tem legenda.
Pós-crédito
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O que ficou para trás (Your House, 2020)
Elenco principal: Sope Dirisu, Wunmi Mosaku, Matt Smith
Direção: Remi Weekes
Roteiro: Remi Weekes, Toby Venables, Felicity Evans
Edição: Julia Bloch
Fotografia: Jo Willems