O Cinema Preto desta sexta vem em clima de brasilidade. Então, pode servir a cerveja num copo americano e colocar Silva para tocar que conversaremos sobre O dia em que Dorival encarou a guarda, um curta-metragem de 1986, premiadíssimo e protagonizado por João Acaiabe.
Por que assistir O dia em que Dorival encarou a guarda?
O curta narra uma noite da vida de Dorival, um homem encarcerado em um quartel que quer simplesmente tomar um banho e, para atingir seu objetivo, precisa desafiar todas as autoridades da prisão. Baseado em uma passagem do romance O amor de Pedro por João de Tabajara Ruas, O dia em que Dorival encarou a guarda é um filme feito para denunciar os abusos de poder do governo autoritário brasileiro.
Nesse sentido, o filme dirigido por Jorge Furtado e José Pedro Goulart não deixa muito para subtexto. “Milico e merda, para mim, são a mesma coisa”, diz Dorival para irritar e desafiar os militares. Apesar de se passar em grande parte num cenário fechado – o corredor da prisão e a sala do cabo, mais especificamente – o curta não se deixa prender às limitações físicas para se autoexplicar. Cenas de faroestes americanizados, King Kong e Casablanca transportam o espectador para as referências julgadas necessárias.
Enquanto isso, a visão de Dorival continua proposital e geograficamente limitada. Nós só vemos o protagonista de fora para dentro, do corredor para a sua cela. Novamente, não há nenhum significado oculto: não há aproximação do homem negro temido, daquele desumanizado e chamado de “criolo”, “negrão” e “gorila”.
O impressionante é que apesar de todos os esforços para restringir Dorival – em toda sua existência e presença –, a agência é toda dele. O olhar imponente de João Acaiabe demanda certo cuidado mesmo quando ele não está em posição de fazer nenhum tipo de pedido. Poucas ações do filme não passam pelas demandas de seu protagonista. É ele que atiça e move as estruturas do filme.
No fim, há um alento, mas a ironia permanente do cinema brasileiro utilizando dores negras para tratar temas universais continua.
Terceiro ato
O dia em que Dorival encarou a guarda está no Vimeo e no Youtube.
O filme ganhou Kikitos de melhor curta nacional (dividido com outras duas produções) e João Acaiabe de melhor ator no Festival de Gramado de 1986. No 8º Festival Internacional do Novo Cinema Latino Americano em Cuba, foi premiado como melhor curta de ficção com direito a foto dos diretores ao lado de Francis Ford Coppola.
João Acaiabe faleceu em março deste ano, vítima da Covid-19.
Pós-crédito
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O dia em que Dorival encarou a guarda (1986)
Elenco principal: João Acaiabe, Sirmar Antunes, José Adão Barbosa, Pedro Santos e Lui Strassburger
Direção: Jorge Furtado e José Pedro Goulart
Roteiro:Jorge Furtado, Ana Luiza Azevedo, Giba Assis Brasil e José Pedro Goulart
Fotografia: Christian Lessage