Quebrando nossa sequência de filmes leves e divertidos, hoje vamos conversar sobre Joy (2018), um drama sobre tráfico humano e exploração sexual. Então, não vai ter jeito, se prepare que o Cinema Preto desta semana está pesado.
Por que assistir Joy?
Desde os primeiros minutos dessa história, a diretora Sudabeh Mortizah faz uma escolha que domina seu filme: a narrativa é contada somente através da perspectiva de Precious (Anwulika Alphonsus) e Joy (Mariam Precious Sanusi), mulheres nigerianas que viajam para a Europa, nesse caso Viena, em busca de uma vida melhor, mas, com uma dívida grande para quitar, elas têm que vender seu corpo.
Como você deve estar imaginando, Joy não é um filme fácil de assistir. É possível notar que a diretora austríaca-iraniana faz questão de não suavizar a questão abordada com nenhum artifício visual ou narrativo. Logo, há pouco espaço no drama para momentos amenos que trazem algum tipo de conforto para as personagens. Ao invés disso, acompanhamos um retrato frio e cruel da vida de mulheres que são vítimas de tráfico e exploração.
Isso não quer dizer, no entanto, que Sudabeh faça uma descrição desconectada e apática ou que ela não esteja interessada na vida íntima de Joy e Precious, mas que o filmetem a difícil missão de narrar uma história que é tão específica quanto comum. Por estarem em estágios diferentes da estadia em Viena (Joy está perto de pagar sua dívida enquanto Precious é a novata), as protagonistas têm reações muito diferentes frente à violência, abuso e exploração que vivem diariamente. Por isso, apesar de sonhos, frustrações e medos que pertencem somente a elas, Joy e Precious representam todas as mulheres que vivem ou passaram por essa realidade.
O exercício de empatia no filme é ao tentar responder a todo momento porque e como essas mulheres chegam a essa situação. Sudabeh não te deixa pensar que existem decisões fáceis ou algum tipo de escapatória nesse universo. A realidade enfrentada é cheia de regras e nuances, e é interessante que a maior expressão de poder desse sistema seja estabelecida pela presença da Madame, uma mulher nigeriana mais velha que comercializa e controla a vida de suas “subalternas”. Na figura da Madame, Joy tem uma representação perfeita da complexidade e sofisticação da condição daquelas imigrantes.
Diante da pobreza na terra natal, pressões familiares e uma dívida que não é apenas financeira como também espiritual, a prostituição é apresentada como solução banal. Mas o filme nunca se mantém isento, se a prostituição é vista como normal, a postura de Joy é não explorar a sexualidade de suas personagens; se os rituais nigerianos são menosprezados, o filme apresenta as tradições de São Nicolau com similar estranheza e desconforto. Sim, Joy não é um filme fácil, mas ele é uma narrativa essencial e de denúncia.
Terceiro ato
Joy está disponível na Netflix.
Pós-crédito
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Joy (2018)
Elenco principal: Anwulika Alphonsus, Mariam Precious Sanusi, Angela Ekeleme
Direção e roteiro: Sudabeh Mortezai
Edição: Oliver Neumann
Fotografia: Klemens Hufnagl