Se eu tirar uma foto das anotações que fiz enquanto assistia A Madeline de Madeline (2018), filme desta sexta-feira do Cinema Preto, você provavelmente me olharia com uma expressão confusa e me perguntaria se está tudo bem. "Hipersensitivo", “irracionalidade adolescente”, “alienação” e “fora do controle” são apenas algumas palavras quase aleatórias que escrevi para tentar fazer sentido sobre esse drama adolescente. Então paciência, que vou tentar fazer essa experiência ser um pouco compreensível.
Por que assistir A Madeline de Madeline?
Nesse longa, a diretora Josephine Deckerune a potência do teatro e do cinema experimental para explorar a vida de sua protagonista, Madeline (Helena Howard), uma adolescente birracial que vive com sua mãe Regina (Miranda July) e seu irmão em Nova York. A princípio, Madeline é apresentada como uma garota comum, mas que precisa tratar uma doença mental e que se utiliza do teatro como válvula de escape.
Decker nunca é precisa em relação ao que Madeline está enfrentando e prioriza uma narrativa fluida e delirante em que os sentimentos da adolescente se tornam elementos centrais para o filme. Apesar de ter visto o longa como um grande quebra-cabeça tentando juntar as peças e tentar entender qual o problema de Madeline, quando isso começou, o que é real, o que é imaginado ou encenado e muitas outras questões, vou me abster dessa confusão narrativa e me concentrar em dois relacionamentos essenciais para a protagonista.
O primeiro deles é certamente a relação de Madeline com sua mãe. Como o comportamento da personagem é descrito como “depressivo”, “irracional”, “instável” e “violento” – muitas aspas porque tudo é passível de discussão e interpretação –, Regina ganha o papel da incompreensão. É no embate com a mãe que Madeline encontra mais resistência e que sua existência precisa ser mudada, cortada e adaptada para se comportar como se é esperado de uma pessoa normal no mundo.
Essa resistência não é vista quando Madeline está perto de Evangeline (Molly Parker), professora e líder do grupo de teatro. Evangeline cultiva e celebra quão estranha e única Madeline é, até porque todas as características que fazem da menina um ser incompreensível para o mundo normal são abraçadas pela arte. O teatro e, consequentemente, Evangeline se tornam um “espaço seguro” onde Madeline é verdadeiramente vista.
Mas até que ponto Evangeline pode cultivar o talento de uma atriz prodígio e não se utilizar de sua história para sua própria carreira? Qual é a linha quando a questão racial se faz presente nessa discussão? Quando essa narrativa se torna exploratória e oportunista? E Josephine Decker é passível dos mesmos questionamentos que estamos impondo à Evangeline?
O debate sobre quem pode contar histórias negras é sempre difícil e delicado e, muitas vezes, a discussão é deslocada para a ideia de “possibilidade” quando a pergunta central é moral. É óbvio que realizadores não negros podem contar histórias com temas e personagens racializados, mas deveriam? E, no caso de A Madeline de Madeline, é possível projetar as inseguranças de uma diretora numa menina adolescente negra?
Em um momento, Evangeline tenta explicar que o que Madeline sente – enquanto atriz – não é propriamente dela. “As emoções que você está tendo não são suas, elas pertencem a alguém diferente. Você não é o gato, você está dentro do gato”. Ao fim do filme, eu não consigo dizer se Josephine Decker tem sucesso, se sua metáfora faz sentido ou se ela faz jus à existência de Madeline como personagem e pessoa. Mas, pelo menos, todas essas questões honestas e sinceras estão lá.
Terceiro ato
A Madeline de Madeline está disponível na Amazon Prime.
Não coube na estrutura confusa do texto, mas Helena Howard está incrível no filme. Não dá vontade de tirar os olhos dela até quando o filme perde um pouco do ritmo.
Pós-crédito
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A Madeline de Madeline (2018)
Elenco principal: Helena Howard, Miranda July, Molly Parker
Direção: Josephine Decker
Roteiro: Josephine Decker e Donna di Novelli
Edição: Josephine Decker e Harrison Atkins
Fotografia: Ashley Connor