Mais uma sexta-feira e mais uma semana que eu me coloco em uma posição bem desconfortável perante você, leitor desta newsletter. Dessa vez, estou tentando imaginar como te convencer a assistir High Flying Bird, um filme sobre basquete sem basquete, dirigido por Steven Soderbergh e gravado com um iPhone.
Por que assistir High Flying Bird?
Eu não sei se você sabe isso sobre mim, mas sou uma mulher muito simples que se contenta com uma obra audiovisual que tem André Holland andando de um lado para o outro tentando resolver alguns problemas. Se você se identifica com a frase anterior, hoje é o seu dia de sorte, pois grande parte da trama envolve o deslocamento do ator e produtor norte americano de locação em locação. Mas, felizmente, o filme lançado em 2019 não é apenas sobre a movimentação de Holland, High Flying Bird aborda a dinâmica de poder nas negociações entre jogadores, agentes, advogados e donos de times da NBA durante a paralisação da liga em 2011.
Holland é Ray Burke, agente de um jogador novato e promissor – Erick Scott, interpretado por Melvin Gregg – que está muito próximo da falência porque sem os jogos e salário não tem dinheiro para pagar um empréstimo. É óbvio, desde o início, que é de interesse de todas as partes que o lockout se encerre e as partidas sejam retomadas, logo Ray Burke precisa agir para proteger seus interesses e de seu jogador.
Estruturalmente, a narrativa também dá espaço para entrevistas, em preto e branco, com os jogadores Reggie Jackson, Karl-Anthony Town e Donovan Mitchell sobre a vida de novatos e como eles lidam com a pressão em pertencer à maior liga de basquete do mundo.
Para quem não gosta da NBA e até para quem gosta do esporte, não existe nada menos instigante do que assistir a pessoas falando sobre contratos, leis, dinheiro e outras burocracias, mas – não ironicamente – isso é parte do apelo do roteiro escrito por Tarell Alvin McCraney, escritor de Moonlight. High Flying Bird não é um filme sobre esportes com lições motivacionais ou histórias de superação, o foco do drama está sempre nos interesses, intenções e motivações de seus personagens.
Acompanhar essa briga de poder fica mais interessante quando os holofotes estão apontados para personagens negros que estão, de certa forma, à margem desse poder enquanto continuam centrais para manutenção da cultura e relevância do esporte.
Inevitavelmente, não há nada de inédito ou surpreendente na mensagem de High Flying Bird. Sim, as grandes ligas esportivas e seus donos enriquecem explorando corpos negros, mas as oportunidades geradas por essas corporações continuam idealizadas em uma sociedade que oferece tão pouco para pessoas negras.
Mesmo assim, há um alívio em ver essa ideia sendo construída abertamente sem romantização ou sarcasmo. Durante os 90 minutos de filme, Ray Burke questiona frequentemente se Erick Scott tem a mentalidade revolucionária necessária para desafiar a NBA e imaginar uma outra realidade para o esporte. Mas talvez a pergunta mais apropriada seja qual é o ato transgressor e como ele pode mudar a vida das pessoas à sua volta.
Terceiro ato
High Flying Bird está disponível na Netflix.
A ideia desse filme surgiu quando Holland e Soderbergh produziam The Knick, meu drama favorito sobre medicina em 1900, importância da higiene básica e cocaína. As duas temporadas estão disponíveis na HBO Max, e existe um plano para o Barry Jenkins assumir a direção de uma terceira temporada num futuro incerto.
Pós-crédito
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High Flying Bird (2019)
Elenco principal: André Holland, Zazie Beetz, Melvin Gregg, Sonja Sohn
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Tarell Alvin McCraney
Edição: Steven Soderbergh
Fotografia: Steven Soderbergh