Clemência (2019), filme que discutiremos hoje no Cinema Preto,tem uma das cenas de abertura mais difíceis que já assisti.
Bernardine Williams (Alfre Woodard), diretora de uma prisão de segurança máxima, está terminando os preparativos para a execução de Victor Jimenez (Alex Castillo), um homem condenado à morte. Bernardine, primeiramente, conversa com a mãe do prisioneiro e depois espera sozinha até o horário do procedimento. Na sala da execução, todas as ações dos funcionários da penitenciária são meticulosas e burocráticas. Assim, até mesmo quando o procedimento com a injeção letal dá errado e assistimos Jimenez morrer lenta e dolorosamente, todas as pessoas envolvidas precisam continuar seguindo o protocolo friamente.
Sim, se prepare que o filme dessa semana é um soco no estômago.
Por que assistir Clemência?
A execução descrita na introdução da newsletter é a 11ª de Bernardine. Ao longo do drama que acompanha o seu dia a dia na penitenciária, a questão que guia a narrativa e, consequentemente, nossa relação com o filme, é qual o efeito que essas condenações têm na sua consciência, humanidade e vida.
Além de acompanhar o trabalho de Bernardine, o longa escrito e dirigido por Chinonye Chukwu divide a trama central com a história de Anthony Woods (Aldis Hodge), um homem no corredor da morte que tem na clemência sua única esperança. Espelhada na execução de Troy Davis, um homem negro condenado em 1991 e executado em 2011 pelo assassinato de um policial, Clemência se compromete a ir além das semelhanças para explorar o estado psicológico e emocional de um homem que sabe que vai perder a vida em breve.
A história de Davis, no entanto, é muito mais que inspiração. Chinonye iniciou o processo que culminou no lançamento do drama durante as discussões e protestos do caso. A partir daí, a cineasta trabalhou com ativistas, foi voluntária em penitenciárias e entrevistou diretores e guardas aposentados dessas instituições, pessoas que foram encarceradas, pessoas que ainda estavam em prisões, advogados e capelães.
Todas essas vozes ganham espaço e peso no enredo do filme. Dessa forma, a cineasta não se mostra interessada em entregar respostas fáceis, momentos de redenção ou mensagens esperançosas. O objetivo de Clemência é, antes de tudo, estender um olhar de empatia a todas as pessoas envolvidas durante o processo de execução de um detento.
É quase impossível falar sobre Clemência sem um olhar crítico sobre encarceramento em massa e pena de morte, sem mencionar efeito que esse filme pode ter sobre sua audiência. Esse é um dos textos mais difíceis que já escrevi para o Cinema Preto e devo confessar que desviei meu olhar diversas vezes assistindo à obra.
O brilhante trabalho de Alfre Woodard e Aldis Hodge traz a carga emocional necessária para o ritmo que Clemência impõe, mas o filme nunca fica leve ou menos cruel. E, claro, com um assunto carregado de camadas e complicações, algum tipo de leveza não encontraria lugar na narrativa.
Mas Clemência abre espaço para todos os outros sentimentos possíveis – dor, desespero, angústia, frustração, raiva –, tudo faz parte da experiência de compaixão que o filme exige. Não é fácil, mas obras que exploram autenticamente os aspectos mais cruéis da nossa sociedade são necessárias.
Terceiro ato
Clemência está disponível no Telecine Play.
Pós-crédito
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Clemência (Clemency, 2019)
Elenco principal: Alfre Woodard, Richard Schiff, Aldis Hodge, Wendell Pierce, Danielle Brooks
Direção e roteiro: Chinonye Chukwu
Fotografia: Eric Branco
Trilha: Kathryn Bostic