Mantendo a energia caótica dessa semana, o Cinema Preto desta sexta-feira discute um filme com 16% de avaliação no Rotten Tomatoes e que, segundo um crítico do New York Times, apela para “um gosto cinemático mais interessado em cenas com virilhas, dançarinas de topless, telas de televisão do tamanho de uma parede, maconha em abundância e, sempre que possível, crime sem punição”.
Por que assistir Barra Pesada?
Nos momentos finais do filme dirigido por Hype Williams, Tommy Bundy (DMX) está muito perto de completar sua missão – assassinar o Reverendo Saviour e diminuir sua sentença – quando o líder religioso pede cinco minutos para conversar. Enquanto o Reverendo prega sobre medos, luz e escuridão, seu discurso é costurado com flashbacks de ações passadas de Bundy e a contagem regressiva para a chegada dos anos 2000. “Hoje marca não apenas a chegada de um novo ano, mas de um novo milênio”, afirma Saviour para alertar sobre a relevância da escolha entre a vida e a morte que o protagonista de Barra Pesada está prestes a tomar.
Em 1999, ano de estreia do drama, Williams já era considerado um dos diretores de videoclipes mais importantes da década e tinha em seu impressionante currículo obras como California Love de 2Pac, One More Chance de The Notorious B.I.G e The Rain (Supa Dupa Fly) de Missy Elliott. No entanto, Barra Pesada é o primeiro e único longa-metragem de sua carreira.
A essência que tornou Williams um artista importante para a propagação da cultura do hip-hop nos anos 1990 é mantida no filme. O diretor utiliza uma paleta de cores contrastantes, iluminação dramática, cortes rápidos, lentes olho de peixe, sobreposições, slow motion e outros artifícios visuais que possibilitaram a tradução em vídeo da mensagem e relevância dos maiores artistas da década. A eletrizante abertura do filme demonstra essa característica inventiva de Williams em sua melhor forma.
Tal máxima é também estendida para os personagens de Barra Pesada. DMX divide o protagonismo do filme com Nas, que interpreta o amigo de infância e parceiro de crime Sincere. Enquanto DMX traz uma energia sincera, impiedosa e sombria, marcas de seu rap, Nas, que também narra o longa, entrega uma cadência e um tom sagaz para seu personagem. A escolha de fazer os rappers interpretarem a si mesmos – ou uma versão que o público conhece deles – é uma decisão acertada considerando a inexperiência dos atores.
A natureza experimental e implacável somada a uma “narrativa gângster” quase clássica tem um efeito delirante e um pouco febril. Tudo em Barra Pesada é em excesso, até seus defeitos. O corpo feminino é utilizado frequentemente por Williams como um de seus truques visuais, o relacionamento pedófilo que move um dos protagonistas é, no mínimo, absurdo e a glamourização do crime e violência ficam enjoativas numa narrativa clichê.
Mas, sem querer justificar e já justificando, esses são também os pecados dos filmes que retratam mafiosos, reis do crime e gângsters nos quais Barra Pesada se inspira. Logo, é compreensível se essas características afastam o espectador, mas também é um caso em que o conteúdo – sim, violento e machista – atesta a mensagem da obra.
A questão não é por que Williams escolheu o clássico embate entre o bem e o mal para seu filme, mas o motivo de tantos rappers encontrarem na narrativa e na identidade visual de grandes mafiosos um jeito para se expressar e contarem suas histórias.
A excepcionalidade de Barra Pesada não está em mostrar jovens negros que enfrentaram o sistema e alcançaram sucesso apesar de todas as dificuldades, mas em ir de encontro a uma cultura que deu voz às pessoas que tiveram que abraçar a destruição, os pesadelos e a escuridão de suas vidas para encontrar outras oportunidades. Nesse sentido, Barra Pesada é um registro histórico, uma marca para um novo milênio.
Terceiro ato
Barra Pesada tá disponível no StarzPlay.
Pós-crédito
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Elenco principal: DMX, Nas, Hassan Johnson, Taral Hicks e Tionne Watkins
Direção: Hype Williams
Roteiro: Nas, Hype Williams, Anthony Bodden
Edição: David Leonard
Fotografia: Malik Hassan Sayeed